Queria tanto ver o pôr do sol -

 
Só porque não sabia amar não significava que não queria.Essa era a característica mais marcante dela; sempre queria,mas nunca sabia.Queria ser professora de francês,mas só falava português.Queria saber nadar,mas mal dava conta de andar de salto alto.Queria ser muito rica,mas não tinha disposição para procurar um emprego bom.Queria,acima de tudo,que aquele que amava,a amasse de volta.Mas não sabia como.Era isso que ela fazia.Ela não sabia.

Sexta feira de manhã


Ele não conseguia parar de olhar para a pele de mármore dela.Mesmo que tentasse,seu olhar sempre descansava sob os fios de cabelo espalhados pelo seu rosto.Era tão delicado e pálido,que tinha de se conter ao tocá-lo,ou poderia machucá-la.A brisa fria se enroscava novamente entre as pernas;os pés se tocando,buscando algum ponto quente para se abrigar.
Não conseguia acreditar que aquela seria a última vez.A última chance de dizê-la aquelas tão ensaiadas palavras - as repetia mentalmente nos últimos dois meses .O som sempre queria rasgar a garganta,implorando como num suplício para se libertar de dentro daquele corpo alto e confuso.Tudo sempre dava errado,e qualquer coisa era motivo de desistência.
Ela piscou algumas vezes,acostumando-se com a luz lívida do dia nublado que adentrava o quarto vazio.Então seus olhos se abriram,revelando duas orbes cinzas,exatamente como estava o céu naquela sexta de manhã.Olhou-o rapidamente,como se sentisse culpa.
"Mas não fizemos nada!",pensou.Ele a achava ingênua e delicada demais.Ele a amava demais.
Ela suspirou fundo,reunindo toda a força que possuia,apertou sua mão por mais uma vez,como sempre fazia quando se sentia bem,e levantou-se.Rapidamente - mais rápido do que desejava - calçou sua bota,roubando-lhe uma meia que por ali estava jogada.Essa era uma das manias dela,roubar-lhe as coisas,e devolve-las limpas.Sabia,porém,que nunca mais veria aquele par de meias.
Ele permaneceu imóvel,as palavras pulando em sua cabeça.Mas ela fora mais rápida.
"Não vou te pedir desculpas,nem lamentar por nada.Só não tente me procurar mais." 
Ela se atreveu à olhar para trás.Eles trocaram olhares - mas nada precisava ser dito.
"Eu juro que da próxima vez eu não vou me despedir.Nós dois sabemos o que acontece depois,e...Não quero mais ter que roubar suas coisas e nunca mais devolvê-las"
Ele se sentou,apoiando a cabeça com as mãos,coçando sua nuca.Ruivo,liso e atrapalhado,seu cabelo era parecido com o dela.Não tão longo,ou claro,mas sempre levavam os dois àquele quarto vazio,que possuia apenas uma cama e um tapete.
"Não se esqueça de trancar a porta quando sair" , ele disse e,escutando o ruidoso barulho da porta sendo batida alguns segudos depois,permitiu que as lágrimas rolassem pelo seu rosto.
Estava cansado demais para continuar correndo atras daquela que não era mais a sua menina.Agora ela era alguém que ele não conhecia mais.